Plínio, do curso de arte, ao adquirir uma fita magnética que continha contundente gravação anônima, pinta uma tela e convida Darte para apreciá-la… Darte, após observar a tela pintada por Plínio, ouve da fita a seguinte gravação: “Mila tem vinte e oito anos de morta. Mila vive do que tece. Mila não ingere migrry. Mila dorme e desperta com as galinhas. Cuida da horta, do galinheiro e do curral. Mila prepara o dejejum. O almoço e o jantar. Mila varre, passa e apimenta. Mila ganha sonhadores trocados. Alegria de Mila. Do açougueiro, do padeiro e do boticário. Mila sabe quem e o que ela é. Mila adora devaneio: missa, festa e cerimonial. Ama e é amada. Lê e é lida. Chora e ri. Mila é feliz. São nuas as paredes do quarto de Mila. Mila tem vinte e oito anos de morta. Mila varrendo o pátio lar de Mila, encontrou um longo fio de cabelo, dos longos fios dos cabelos de Mila.” Darte, após ouvir a gravação, encabulado, volta a olhar para a tela. – Retrata a gravação? – pergunta Plínio. –… Ouvindo a gravação e olhando a tela, retrata… – confessa o amigo. – Abraçam a realidade? Darte medita. – De qual realidade se trata? – A realidade exposta na tela e na gravação. – responde Plínio. Darte diz que eram frágeis para tecer tamanha opinião. – Sabe quanto desembolsei para obter essa gravação? –… – Nada. Uma empoeirada relíquia que, há oitenta e sete anos, passa silenciosamente de mão em mão sem custo. O interesse pela relíquia não se resume a voz humana gravada numa fita magnética. Resume-se a mensagem protagonizada. – Estrondoso grito de emancipação da mulher? – pergunta Darte. – Seria possível sim: o grito de emancipação da mulher. Possível sim. Porém, como se acredita, seria controverso isso porque “Mila” diz que era feliz. Como também, aproximando-se de algo mais profundo, ressalta: “Mila varrendo o pátio lar de Mila, encontrou um longo fio de cabelo, dos longos fios dos cabelos de Mila.” Assim, acredita-se que o ensaio não evoca tal apelo: do grito de emancipação da mulher. –… Plínio, continuando, diz: – "migrry" significa ilusão. Certo influente senhor afirmou, categórico, que migrry significava sonho, palavra extraída de medieval dialeto africano. Assim entendeu que o anônimo ensaio era, para não dizer constrangedor, uma abordagem inadequada para o mundo. Darte olha para a tela; Plínio balbucia: – Mila tinha vinte e oito anos de falecida. Vivia do que tecia. Dormia e despertava com as galinhas. Cuidava da horta. Do galinheiro e do curral. Preparava o dejejum. O almoço e o jantar. Varria, passava e se divertia. Ganhava sonhadores trocados… Darte, recolhendo pensamentos, pergunta: –Será que o ensaio se refere ao que estou imaginado? – Acredito que a tela que eu pintei retrata o que você está certamente imaginando. – replica Plínio. Darte olha para a tela: Via-se um varal em um quintal. Em um dos fios do varal havia um prendedor “Mila”, afixando um longo fio de cabelo. – O influente senhor disse que “migrry” significa sonho e assim, por ser constrangedor, considerou o ensaio impróprio para mundo. – conversa Darte. – Foi. – concorda Plínio. – “Mila não ingere sonho" – balbucia Darte. – "Mila não ingere ilusão" – replica Plínio. A tela retratava o que certamente é realístico. Em um dos fios do varal, um prendedor afixando um mero fio de cabelo.
ILUSÃO OU FATO?