Devido ao alto prestígio do jornalista, a Justiça disponibilizou Nara para que ela fosse brevemente entrevistada. Disse o profissional antes de Nara ser apresentada: – A mais espetacular história. Nunca, ao longo dos meus cinquenta anos de profissão, vi nada igual. Nara, doze anos de idade, engrossa a fila dos sentenciados à pena capital. Diante de Nara, com uniforme de presidiária, o jornalista indicou a cadeira para que se assentasse. Estava sem as algemas, isto graças a ele. Não a entrevistaria algemada, assim negociara com a direção do presídio. – Gostou da minha ousadia, Nara? Refiro−me às algemas. Afinal o seu poder não está nas mãos, não é verdade? – conversou ele numa tendenciosa brincadeira de descontração. Nara esboçou pálido sorriso. – Nara, o seu pai, atendendo o seu pedido, providenciou a pedra. Uma pedra comum, usada geralmente na construção de alvenaria e que pesava em torno de cinco quilos. – Isso. – Bem, seu pai, atendendo ao pedido, o que aconteceu? – Colocou−a num canto do quarto. A partir de então passei a orar. Pedia todas as noites a Deus que a transformasse em ouro. – Então você passou a orar. Pedia a Deus para que a pedra se transformasse em ouro. – Sim. – Num belo dia foi atendida? – Fui. – Num belo dia, você, ao despertar, percebeu que a pedra havia se transformado em ouro. – Sim. – O que você fez? – Chamei os meus pais e mostrei a eles o objeto valioso. – Houve contentamento. Ficariam livres da pobreza. – Sim. – Mas o seu irmão falou demais. De vizinho em vizinho, a história rapidamente se espalhou e chegou ao conhecimento da imprensa. Não é verdade? – Sim. – Amplamente divulgada, foi a pedra tocada e submetida a teste, cujo resultado não foi outro: era ouro de fato. – Sim. – E daí? – Daí senhor… – Surgiram conversas maldosas. Os seus pais eram receptores de joias furtadas. Haviam fundido uma grande quantidade e, precavendo−se de eminente perigo, instruíram que o seu irmão espalhasse a história da transformação milagrosa. – Isso. – Houve investigação? – Não, senhor. – Os seus pais foram presos e a pedra apreendida. – Sim. – Você sofreu com isso? – Muito. – O que você fez, então? – Passei a orar. Pedia a Deus que a transformasse em bomba atômica. A câmera focou unicamente o jornalista. Disse ele, então: – A pesada pedra então apreendida foi guardada no Complexo Judicial Akair. Meses depois servidores começaram a apresentar câncer. Com o número de casos aumentando assustadoramente, foi o Complexo interditado e, uma vez inspecionado, chegaram à causa origem: a pedra em questão havia se transformado em urânio. Nara foi entrevistada e revelou, na oportunidade, o desejo dito há pouco: que a pedra fosse transformada em bomba atômica. Confissão expressa, foi presa, julgada e condenada à pena de morte. Responsabilizada, assim, pela morte das cento e trinta e oito pessoas contaminadas pela radioatividade. A câmera voltou a focar os dois. O jornalista perguntou à presidiária se ele havia distorcido alguma coisa. – Não, senhor. – Para encerramos o que você tem a dizer? Nara meditou e disse: – Estou orando. – Orando? – Orando. – reafirmou. O jornalista a encarou demoradamente e perguntou: – Nara, eu estou inserido em suas orações? – Não, senhor. – Está orando. – Sim. – ...! Dias depois houve um novo julgamento, Nara foi absolvida.
ILUSÃO OU FATO?