Quem visita o Parque Ecológico Assunção ignora que, nas águas da Bacia Riacho, aconteciam os fervorosos encontros entre a condessa Liraelena e o jovem Nestor.
Quem nos relata esse trágico relacionamento é o investigador particular aposentado Edgar, cujos serviços eram também prestados à advogada de ricos, doutora Anaira, e ao desembargador Cristiano. – Num desses dias, a doutora Anaira – conta o investigador – me pediu para que, sem citar nomes, me inteirasse sobre a prisão de Nestor. Preso, como deveria saber, acusado de pertencer ao bando denominado “Sarcásticos”. Um grupo formado por quatro afeiçoados jovens elementos que vinham aterrorizando a cidade. Necessitava com urgência da informação. Seria gratificado em dobro. Prometeu. Disse também que o acusado trabalhava na Nelâmpago, uma loja de produtos elétricos. Visitei o estabelecimento. De conversa em conversa o gerente contou que um garoto, acompanhado da mãe, num repente, apontou Nestor como um dos elementos do bando. No interior do estabelecimento também se encontrava uma cliente, deficiente visual. Ao ouvir a insistência do menino, entrou em pânico. Os gritos histéricos atraíram transeuntes e a polícia. Quando tudo parecia ter sido solucionado, um dos funcionários da loja, gracioso, confidenciou a um dos policiais que Nestor executava serviços externos nas tardes das segundas, quartas e sextas-feiras. Dias justamente que o bando atuava. Era verdade que a loja dispunha daquele atendimento executado por Nestor e outros. No entanto, eram acertos verbais. Sem provas documentais, conduziram-no à delegacia para se explicar. Omitiu-se ao dizer onde se encontrava nas tardes dos mencionados dias e, para complicar a situação, a atuação do bando cessou. Relatei à doutora Anaira o apurado. Sem demostrar interesse, disse que queria de mim um relatório atestando que Nestor encontrava-se às escondidas com a esposa do gerente da Nelâmpago. Por que queria aquilo? Para livrá-lo da prisão. Na época, um relatório de um investigador tinha força igual à de relatório médico. Ora, fora um pedido imoral! Baseado em que faria aquilo? Encarei-a por longos minutos, coloquei o chapéu na cabeça e me retirei batendo violentamente a porta. Dias depois, uma senhora adentrou o meu escritório e apresentou-se como a mãe do rapaz que se encontrava preso, confundido segundo ele como um dos elementos do bando “Os Sarcásticos". Acreditava na inocência do filho. Confidenciava-lhe temores. Pois estava sempre envolvido com mulheres casadas da alta sociedade. Estava ciente da maldade que lhe era dispensada pelo colega da loja em que trabalhava. Disse também que Berenice, faxineira da delegacia em que o filho encontrava-se preso, podia relatar como fora o reconhecimento feito pelas vítimas. Honorários combinados. Estive com Berenice. Descrevera o reconhecimento como sujeira, sob cumplicidade do escrivão Orlando. Haviam colocado o "bonitão" ao lado de tétricos elementos para que as vítimas o reconhecessem. Orlando era um sujeito displicente. Conversamos à mesa de um bar. Disse que Nestor dera azar: o pavor do garoto, o alarde da mulher e tudo mais. Todavia, era jovem. Os possíveis seis anos de detenção passariam rapidamente, daria para recuperar o tempo perdido. Portanto, as coisas deveriam permanecer como estavam. O rapaz dera azar. Pontuou. Qual a resposta que daria a senhora mãe de Nestor? Por outro lado acreditei que Anaira tinha ciência do sumiço que deram ao bando, e bulir naquilo seria auspicioso. Então queria a qualquer custo libertar o amado de alguma grã-fina da prisão. Matutando como resolveria a situação da aflita senhora mãe de Nestor, o gerente da Nelâmpago telefonou-me. Havia deixado-lhe o cartão de apresentação. Disse que o funcionário falastrão desejava conversar comigo. Sabiam que estava trabalhando para a mãe de Nestor. Fora no "Café Arlindo" o nosso encontro. O 'falastrão' esclareceu que também executava serviços externos nas tardes das segundas, quartas e sextas-feiras. Sabia da fama de Nestor com as mulheres. Certo dia, resolveu segui-lo. Adentrando o Parque Ecológico Assunção, seguindo-o, avistou-o nas areias da Bacia Riacho com uma formosa mulher. Não era jovem como ele, mas era uma bela mulher. Sentia-se arrependido com a maldade que praticara com o colega, o atiçou para os policiais, mesmo sabendo que era inocente. Estava disposto a ajudar. A mulher tinha um Porsche azul. Ajudar seria testemunhar em juízo. Disse-lhe. Acatou a sugestão. Satisfeito, assim que cheguei ao escritório telefonei para a pessoa que minimizaria os trâmites formais da Justiça: doutora Anaira, cuja reação, assim pensei, seria com mãos erguidas ao céu já que tinha interesse de libertar o falso acusado. No entanto, estava aborrecida comigo, não atendeu. Dei de ombros e telefonei para a mãe de Nestor. Ao ouvir a benquista notícia agradeceu-me. Disse-lhe, no entanto, que não seria num estalar de dedos, porém seria libertado. Comunicação encerrada, intencionei redigir cuidadoso relatório ao Ministério Público... Mas tudo girava ao meu redor e não sabia. Pois também trabalhava para o desembargador Cristiano. O desembargador necessitava dos meus serviços. Despachava aos fundos do palacete em que residia. Apresentando-me o ajudante de ordens como sempre me conduziu à sala de espera: uma área jardinada e um banco comprido. Aguardando, sentado na rústica acomodação, um casal de senhores retirou-se cabisbaixo da sala do desembargador, deixando displicente a porta entreaberta. O ajudante de ordens os acompanhou. Erguendo-me para acessar a sala do magistrado, de repente ouvir mágoas proferidas com palavras rasteiras que, mesmo atenuadas, assim ficariam. O magistrado, ao telefone, dirigia-se à doutora Anaira, pois assim dissera "Você sabe Anaira". Ficasse claro que liberaria o estrume em consideração a seus pais, o casal de senhores que havia se retirado da sala, que nem avos do desgraçado eram, Imploraram-no a fim de amenizar mais um tormento no céu . Tinha ela, doutora Anaira, pleno conhecimento da vagabunda que a amiga Liraelena era. Apunhalou-o pelas costas e foi parir no exterior, como se jamais fosse saber. Ao retornar do "passeio turístico", abandonou o vazado por aí e este cresceu, tornou-se homem e numa espécie de zombaria do destino, meteu-lhe um filho no rabo... Num passado de vinte e dois anos Liraelena casada com o desembargador Cristiano viajou para o exterior grávida de alguém ao retornar do “passeio turístico” abandou o filho que tivera e este cresceu, se conhecerem casualmente e…Perplexo com a assombrosa e ocasional revelação, meditei por momentos e abandonei o recinto, deixando para trás uma desculpa qualquer com o ajudante de ordens. Dirigi-me ao escritório da doutora Anaira, esquivei-me da secretaria e, ao adentrar, disse-lhe que tinha escutado a conversa entre o desembargador Cristiano e ela. Doutora Anaira mandou-me que sentasse. Disse que falaria do presente. A amiga de infância, Liraelena, havia falecido de complicações diversas, dias depois daquele meu pedido. – Do senhor visitar a Nelâmpago. – Sim. Abortou um feto que jamais poderia ser concebido. Pedia-lhe para que o filho Nestor nunca soubesse daquele trágico relacionamento. Soubera da infelicidade por acaso. A partir daí o mundo desabou. Respirando com dificuldade, confessou o que mais deseja ouvir, saber que o filho Nestor estava livre. Porém, elevou-se sem ser atendida. – ... Meu Deus... – Dias depois, não distantes a estes, a mãe adotiva de Nestor, alheia a certos episódios aqui relatados, telefonou-me agradecendo-me e informou que o filho, de criação, Nestor tivera prisão relaxada. – Agradeceu a pessoa certa? – Absolutamente. O desembargador Cristiano que assinou o relaxamento da prisão em considerações aos pais cristãos fervorosos… Assim que Nestor foi preso o bando deixou de atuar. O que aconteceu com o bando? Anos depois, mais recente aos nossos do que ao caso em voga que viera a tona. Ao realizaram uma limpeza na represa Maré encontraram um automóvel submerso com quatro restos mortais no interior: os “sarcásticos”. Concluíram. Como o automóvel foi ali parar não se sabe. Mas certamente fora numa noite de sábado ou de domingo. Pois Nestor foi preso numa segunda-feira e a partir dai o bando não mais atuou. Conheci o Nestor pessoalmente. Um bom rapaz. Mulherengo no entanto. Confesso que abri mão desse segredo profissional porque supero aqui na terra o tempo dos principais nomes expostos. – Até mesmo Nestor? – Faleceu eletrocutado em serviço ignorando o descalabro que viveu. Aproveito para também confessar que desconheço a razão sempre que avisto uma estrela cadente cruzar o céu, a trágica trajetória da condessa Liraelena corta-me o coração.