O servidor guarda fronteira, cansado de patadas gratuitas, jura que só abriria a boca quando fosse consultado… Um automóvel grande de passeio se aproximava.
– Bom dia! – saúda o motorista cujo veículo estaciona junto da guarita. – Bom dia! – retruca o servidor recebendo o bilhete que dava o direito de acessar a rodovia. No entanto, o guarda fronteira tinha coração amolecido ao perceber a aflição da jovem no interior do veículo. Pergunta se desejava alguma coisa. – A rodovia é segura? – indaga. – Deseja saber se a rodovia é segura? – Isso. Medita e responde: – Quando sou consultado, costumo sugerir retornar e acessar a estrada do Lami, senhorita. – Desprezaríamos um trajeto de cem quilômetros em troca de outro onde percorreríamos noventa quilômetros a mais para atingirmos o mesmo destino? – questiona o condutor do veículo. – Fui consultado, senhor. – retruca o servidor. A esposa do condutor se volta e diz para a sobrinha que eram histórias fantasiosas. – É verdade, senhor? – indaga a jovem. – Bem, muitos retornam, ignorando eu qual fora o motivo da desistência: passam às minhas costas a toda velocidade. Mas acredito que vai de sorte. Muitos que não retornam certamente chegam ao destino pretendido. A jovem medita. No interior do automóvel, ainda havia um casal de idosos e duas crianças. O servidor, depois de recolher as vistas do interior do veículo, diz: – Uma rodovia de cem quilômetros de extensão, senhores. Deserta. A cada vinte quilômetros, em média, há povoados. – Selvagens? – pergunta a jovem. O servidor ri. Fugia para o exterior a conversa existente no interior do veículo: – Estamos perdendo tempo; os preparativos do casamento logo começarão. O motorista reflete e diz: –… Seguiremos… A jovem reage: – Vou descer. – Não vai descer nada. – intervém a tia. O automóvel se movimenta. O senhor acomodado no terceiro banco de trás pergunta: – Convencido da decisão, filho? – Ora, papai. O servidor deseja sorte. O possante automóvel acessa a rodovia e avança. O tempo prometia chuva. As crianças ensaiam brincar, mas não encontram espaço. Minutos depois, o primeiro povoado fica para trás. Para o possante veículo vinte quilômetros em oito minutos era água. – …Logo chegaremos… – diz o motorista. Continua avançando. O casal de idosos acomodados no terceiro banco de trás não tira os olhos da estrada à frente. Em dado momento o senhor diz sonoro: –… Curva à vista… – Estou vendo. – replica o filho ao voante. – Curva à vista, tio. Diminua. – pede a jovem – O automóvel adere bem no solo. – responde. – É curva, tio. Foi você mesmo que me disse que nunca se sabe o que existe ocultado fora do campo de visão. – Escute a pupila, professor. – diz o senhor. O filho olha o pai através do retrovisor interno e diminui a velocidade. Avançava cauteloso ao entrar na curva. Havia a metros adiantes agressiva barricada. – Selvagens! – anuncia alguém. – Merda! – murmura o teimoso motorista empreendendo toda a habilidade que possuía para contornar e voltar. Venceu. – Que merda! – resmunga ele. – … Por falta de aviso não foi… Mudez total. Retornavam. Começava a chover. Aproximando-se do primeiro povoado que haviam vencido, a jovem balbucia: –… Não é o nosso dia de sorte… Ainda distante avistavam pessoas na pista. – Inferno! – murmura o motorista pisando fundo. – O que está fazendo, tio? – Seja o que Deus quiser. Chuva, trovões e relâmpagos se intensificam e o automóvel avança veloz. A concentração que ocupava a pista se dissipa e o veículo cruza. Aproxima-se da outrora guarita e passa a toda velocidade às costas do servidor. Atendia um novo aventureiro ciente de quem eram os desistentes causador do vácuo às suas costas, balança a cabeça e murmura: “Avisei."