Passava das vinte e três horas. Havia poucos clientes no estabelecimento e o proprietário, um sujeito musculoso, por trás da registradora, escutava involuntariamente a conversa codificada, amargurada e ressentida que acontecia na única concorrida mesa ao lado. Eis que, em dado momento, os donos das lamúrias, um casal beirando os cinquenta e três anos de idade, despedia−se. – Bastante proveitosa a prosa, mas chegou o momento de dizermos tchau. – disse o cavalheiro erguendo−se. – Amanhã não trabalharemos, mas temos compromisso marcado para logo cedo. – justificou a companheira do cavalheiro, também se levantando. – Vão porque querem. – cortejou–os um senhor, o mais velho da turma. – Chegou o nosso horário. A mulher, que se despedia ao perguntar se a cédula que ambos haviam colocado sobre a mesa quitava a parte deles, respondeu que sim. – São vocês maravilhosos. – disse ela. Um dos participantes, uma jovem esboçando simpático sorriso, desejou-lhes sorte e fé em Deus. – É de que precisamos. Afastando−se, ficaram olhando−os, dizendo a jovem que havia não entendido o teor da lamúria. – É o preço de ser novata. – entoou um deles. – Vivem delicada situação. Tentaram, inclusive, suicídio. – explicou o senhor. – Muitas coisas foram ditas em códigos. – observou a novata. – Sentem−se constrangidos. A jovem manifestou desejo de conhecer o segredo e o senhor pediu para que esquecesse. – Não posso. – disse ela, deixando transparecer em si o efeito da bebida. O senhor fitou os demais, tragou o uísque e atendeu−a: – Gays, quando jovens. Conheceram−se, apaixonaram−se e casaram−se. Tiveram dois filhos. Um casal, então adolescentes. Descobriram, recentemente, que os dois garotos apresentam esquisitice. – Como assim? – Despertam interesse por animais. – Não entendi. – Então, paciência! O dono do estabelecimento, que escutava a conversa, entendendo muito bem, não se contendo, gritou: – Evolução! Amigos! Intromissão grotesca… Olharam−se, repudiando o ato. Houve brusco arrastar de cadeiras. Culminou aquela agradável noite numa pancadaria infernal.
ILUSÃO OU FATO?